https://abismohumano.bandcamp.com/album/trimurti
de "la Corona di Vene"
com "Lilitu"
O EP "TRIMURTI", que reúne a colaboração do projecto italiano la Corona di Vene com a criativa pagã Lilitu, foi primeiramente concebido para a produção de três vídeo-performances que podem ser visualizadas no youtube, mas encontra na editora discográfica da associação de artes Abismo Humano uma atenção aprofundada ao seu lado sonoro, desempenhado com uma mestria ímpar, e conseguindo, utilizando-se quase só de vozes, um ambiente que é, na nossa opinião, mais impactante do que muitos dos famosos lançamentos da Cryo Chamber e outras chancelas voltadas ao público em geral. O EP é de uma natureza profundamente ritualista, com um tímbre intensamente íntimo e sombrio, em que duas vozes que despiram de si o humano tipicamente social interagem em transe, lembrando os momentos mais marcantes e delirantes que Antonin Artaud emitiu em rádio. O texto é criado por Nera Luce (Lilitu), autora do livro "The Gnostic Voodoo" (expandindo sobre o trabalho do antigo bispo católico Michael Beritaux), e trata-se de uma evocação à consciência primordial em língua bárbara.
La Corona di Vene já era conhecido pelas suas performances que levam adiante o "teatro da crueldade", por variadas vezes tendo utilizado ganchos de pesca e sangue, fazendo dos performers marionetas do seu inconsciente por via das vísceras da sensação carnal, aumentando a consciência e a vigília de um qualquer lado dormente e adormecido na audiência. A primeira vez que trabalhámos com o líder do projecto Bonniebelle Wlaad foi no nosso festíval Snow Black IV, onde conseguimos a colaboração do músico crossdresser Mary Nymphection e da modelo alternativa Akasha, na Garagem da Graça. Ali, houve necessidade de nos assegurarmos que o teatro não seria demasiado extremo e que o sangue proviria de um talho e não dos interpretes. Mesmo que o nosso público esteja educado a gostar de arte e de arte alternativa, isto se houver arte na verdadeira concepção da palavra, que não seja alternativa, compreendemos que certas susceptibilidades podem roubar o conteúdo de uma obra ao espectador.
Escrevemos no entanto nós próprios esta crítica ao lançamento de nossa autoria, "TRIMURTI", por ninguém mais o ter feito, afirmando as revistas este estilo estar "para além dos limites dos seus críticos". O EP não é especialmente chocante, note-se, mas também não é aquilo que os críticos vulgares apelidam de música, assim como nós somos uma associação de artistas e não queremos nem nunca quisemos ser uma associação de profissionais de coisa alguma, nem de músicos. Com isto dizemos que, apesar de nada num profissional o impedir de ser artista, antes pelo contrário, nem todo o profissional que trabalha com arte o é, e que a música em particular se fecha num tecnicismo padronizante e sufocante.
Isto dito, muitas vezes temos publicado material genuinamente artístico que escapa aos nossos bons pesquisadores mais proficientes e atentos, porque os seus olhos estão voltados para determinadas elites ou para o estrangeiro. Cabe-nos assim a nós e às nossas relações mais estreitas no mundo da música exploratória, como o caso da Korvustronik e do Mocho de Prata, desbravar esse terreno com o público e com os críticos e colegas promotores.
André Consciência, Associação de Artes Abismo Humano